Acredito que o surf é um esporte fascinante. Mais que isso: uma experiência marcante de vida. Acredito também que, como tal, ele nos proporciona muitos aprendizados. Com certeza não sou nenhum "iluminado" pra chegar a esta conclusão, tenho humildade suficiente pra reconhecer que muitos "brothers" surfistas antes de mim já perceberam isso...
Mas a verdade é esta: sim, o surf nos traz lições de vida que podemos aplicar extrapolando o surf em si e levar pra tudo. Até porque não acredito que tenhamos várias vidas diferentes nas diferentes situações quem nos encontramos (casa e família, trabalho, lazer, amigos, igreja)... Creio que sou, e devo me esforçar pra ser, o mesmo em essência, com todos, em todo tempo em lugar. Sem máscaras...
Mas, fechando o parêntese auto-biográfico-psico-social (brincadeiras à parte), quero compartilhar uma das maiores, primeiras e básicas lições que o surf me ensinou e continua ensinando: a perseverança.
Não vou buscar a definição no dicionário pra definir "perseverar", mas vou na raça da experiência de vida mesmo: pra mim perseverar é um continuar tentando apesar da dificuldade, é não parar enquanto não chegar lá misturado com forte desejo e com uma boa pitada de esperança, sem esquecer da colherada de "sofrimento", que dá o tempero e sentido ao termo. Sem este último ingrediente, "perseverar" não existe.
O que isso tem a ver com minha experiência com o surf? Tudo, absolutamente tudo.
Primeiro porque, apesar de ser apaixonado por tudo o que se relaciona com o mar, com o oceano e seus seres maravilhosos, desde a mais tenra idade, não tive o privilégio de ter pais que amassem a praia, e passar muito tempo na praia, tanto quanto eu. Como nunca morei em cidade litorânea (apesar de estar a apenas 100 Km do mar, coisa que facilita a vida, confesso), a coisa se complica pois quando a gente é moleque é totalmente dependente dos pais...
Sempre invejei os amigos que voltavam às aulas no ano seguinte contando terem passado 2 meses de férias na praia, sem voltar pra Curitiba... Minhas viagens à praia se resumiam a uma ou duas vezes ao ano, e por uma semana apenas...
Ao chegar à adolescência meu sonho era uma prancha. Mas este naõ era o sonho do meus pais, obviamente. Eles se preocupavam comigo e não se convenciam com meus apelos ou argumentos (e com os apelos dos comerciantes e seus preços)...
A verdade é que comprei revistas de surf (as três mais conhecidadas no Brasil no fim dos anos 80, início dos 90 eram a Fluir, a Inside e a Hardcore) por longos três ou quatro anos. Eu sabia só de olhar, e sem ler a legenda, o nome das ondas das fotos, reconhecia surfistas por suas manobras, recitava histórias... mas nunca havia posto os pés numa prancha de verdade (me diverti muito nos "jacarés" em prancha de Isopor, não posso me esquecer).
Mas aos quinze anos veio a primeira prancha: um bodyboard, que já me rendeu boas experiências e foi minha primeira evolução na paixão e prática do surf. E os primeiros passos no caminho da perseverança também.
Primeiro porque tinha prancha mas não ganhei com ela muito maior frequência à praia. Segundo porque não tinha companheiros de surf. Assim, investia sozinho em minhas empreitadas ao Pico e Brava, em Matinhos. Um garoto sozinho pode se sentir um tanto intimidado nestes picos em dias de boas ondas e muito crowd. Mas eu continuei...
Numa tarde de sábado, pelos idos de julho de 91, fui varrido por uma série gelada de swell de inverno, tive a cordinha arrebentada e tomei meus primeiros bons caldos. Resultado: sufoco, saída a nado (ainda bem que nadava bem) e joelhos frouxos ao finalmente chegar na areia. Agora que sou pai compreendo as negativas de minha mãe em não me dar uma prancha antes...
Mas, na manhã seguinte, eu sabia que tinha que voltar lá fora e encarar o mar de novo, não ia deixar a má experiência e o sofrimento do momento me vencerem. E lá fui eu... Perseverança.
A primeira prancha de surf a gente nunca esquece, e a minha custou meu acerto feito na saída de meu primeiro emprego. Era uma 6'0 Cristal Grafiti usada que veio com uma capinha amarela e vermelha bem feinha e de pouca qualidade. Perseverança...
Continuava sem companheiros de surf (meus pais temiam que eu me deixasse influenciar por más companhias do meio, afinal a imagem do surfista ainda não era das melhores na época). Além disso, deixar o moleque viajar de carro com outros moleques não parecia a eles a atitude mais sensata... Então, em termos de frequencia, minhas incursões no surf não eram encorajadoras... Perseverança.
Aí vem uma equação que não facilita a vida do surfista iniciante: pouquíssimo tempo pra praticar + falta de companhia pra ter aquela motivação e exemplo de amigos mais experientes = demora em ficar em pé a primeira vez. Tenho certeza, pelos testemunhos de quem já tentou e abandonou, que esta combinação nocauteia muita gente.
Some-se a isto o fato conhecido de perceber que aquilo que os outros fazem tão facilmente, tão banal e naturalmente, revela-se super complicado na realidade. Sentar na prancha (ela não fica quieta!), deslocar-se daqui para ali rapidamente e sem fazer muita força , conseguir entrar na onda e, sobretudo, ficar em pé numa pranchinha... ah, que bom se fosse moleza! E se você tem apenas alguns dias pra praticar e tem que esperar meses atá a próxima vez... Muitos dizem : "cara, já tentei, mas não é pra mim esse negócio de surf". Talvez até não seja mesmo, sei lá... mas pra mim era, tinha que ser! Perseverança...
Até o dia em que fiquei em pé a primeira vez. Foi tão legal, num impulso eu estava equilibrando-me sobre a prancha, e quase nem ia me dando conta. Quando realisei a façanha, foi aquela explosão de prazer e realização. Lembro de tudo, como se fosse hoje. A onda me conduzindo sobre a região de espuma deixada pela onda anterior, o lugar exato da praia, a luminosidade do dia de sol... Perseverança.
E até hoje, anos depois, esta lição continua. Ainda que o tempo tenha passado e eu não seja mais o garoto de 16 anos que eu era. Ainda que a Cristal Grafiti já tenha sido passada pra outros há bastante tempo, e que seja sobre um longboard que eu esteja deslizando sobre as ondas hoje. Ainda que hoje eu já seja marido, pai, tenha autonomia financeira que me permita viajar com meus amigos todos os sábados pra fazer um bate-volta pra recarregar minhas baterias e curtir tudo o que envolve as viagens além do surf em si (o papo, a mísica, a estrada, a praia, os amigos)... as lições de perseverança continuam lá.
Quando a arrebentação está difícil, o Longboard arrastando, cinco, seis ondas na cabeça sem sair do lugar (ou melhor, sim, sair do lugar em direção à areia e não ao Outside), o fôlego começa a faltar... eu insisto, continuo remando, às vezes os braços dão a sensação ardida dos mísculos cansados, bate uma vontade de virar o bico pra areia e ir embora... Mas espero, relaxo, respiro, remo até sentar no outside de novo e poder pegar a próxima onda... Perseverança.
E aí demora pra vir uma série tão boa quanto a que eu tomei na cabeça... Mas eu quero a maiorzinha que tiver, a que vier mais lá de trás, tenho que esperar com paciência. Perseverança...
Quando a previsão não está nada boa, mas a gente insiste em ir pra praia e entrar no mar, ainda que não haja indícios de boas ondas. E a gente entra, e pelo menos uma onda da manhã faz a cabeça. Perseverança...
O suf tem me ensinado esta lição e tenho levado pra minha vida. Apesar das situações adversas momentâneas, é preciso continuar acreditando e buscando. Continuar até minha onda chegar!
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